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Manaus,04/12/2024

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Em meio a vácuo de regulação, redes sociais foram usadas para insuflar golpe, mostra inquérito da PF


Em meio a vácuo de regulação, redes sociais foram usadas para insuflar golpe, mostra inquérito da PF
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A investigação da
Polícia Federal sobre a tentativa de golpe de Estado após a derrota de 
Jair
Bolsonaro
 em 2022 mostra que as redes sociais foram usadas para
disseminar ataques e informações falsas sobre o processo eleitoral com o
objetivo de insuflar a ofensiva antidemocrática. Essas plataformas estão no
centro de 
um
julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) que discute a
responsabilização das 
big
techs
 pelos conteúdos publicados
.

As milhares de páginas
do inquérito mostram como os indiciados se aproveitaram da ausência de normas.
As estratégias eram alinhadas em plataformas fechadas de mensagem, como
WhatsApp e Signal, e depois ganhavam tração em redes abertas, a exemplo do X e
do Facebook. A PF indiciou Bolsonaro e outras 36 pessoas por tentativa de golpe
de Estado, abolição violenta do Estado democrático de Direito e organização
criminosa.

De
acordo com a investigação, um dos seis núcleos do golpismo era dedicado à
desinformação, com o uso de táticas comuns na caserna. Outro grupo, com atuação
conjunta, tinha a tarefa de inflamar os militares. Diante das conexões, o
ministro Alexandre de Moraes,
do STF, determinou o compartilhamento do inquérito do golpe com as
investigações que tratam das milícias digitais e da disseminação de fake news.

“Os investigados empregaram
seus conhecimentos adquiridos na atividade militar para, em desvio de
finalidade, realizar ações com o objetivo de incitar as Forças Armadas contra
os Poderes constituídos e criar o ambiente propício para o golpe de Estado”,
resume a PF no inquérito.

‘Senta o pau’

Um dos exemplos é a atuação do general Braga Netto, ex-ministro da
Casa Civil e da Defesa, que orientou ataques ao general Freire Gomes, à época
comandante do Exército, e ao tenente-brigadeiro do ar Baptista Júnior, então
chefe da Aeronáutica — ambos se recusaram a embarcar na trama golpista.













 “Senta o pau no Baptista Júnior. Traidor da pátria. Inferniza a vida dele e da família”, escreveu Braga Netto a um interlocutor em 15 de dezembro de 2022. Dias depois, Baptista Júnior foi amplamente criticado por bolsonaristas nas redes sociais, chamado de “traidor da pátria” e “comunista”. A investigação mostra que, naquele período, os interessados no golpe começavam a perder fôlego diante da recusa da maior parte da cúpula das Forças e buscavam estratégias de pressão com a intenção de reverter o quadro.

Difusão de ataques nas redes sociais — Foto: Editoria de arte
Difusão de ataques nas redes sociais — Foto: Editoria de arte

Braga Netto negou qualquer plano de golpe e disse
que a “verdade será esclarecida respeitado o devido processo legal”.



Freire Gomes também foi alvo de uma ação
orquestrada, como indica o inquérito. Em depoimento, ele disse que recebeu
ataques pelas redes, assim como familiares — uma mensagem de Braga Netto o
chama de “cagão”. Já o coronel Corrêa Netto, também indiciado, difundiu cinco
fotos associadas a nomes de generais da ativa que estavam se posicionando
contra o golpe. “Quem dera fossem só esses”, enviou a um interlocutor, em 15 de
novembro de 2022.



No dia seguinte, ao
menos um perfil no X publicou as imagens com os dizeres: “Dos dezenove
generais, estes cinco canalhas não aceitam a proposta do povo. Repasse para ficarem
famosos”.



A
defesa de Corrêa Netto disse que aguardará a manifestação da Procuradoria-Geral
da República (PGR) para comentar.



Enquanto buscavam adesão, os
militares golpistas elaboraram uma carta como instrumento de pressão contra os
integrantes da cúpula que se opunham à ofensiva — Freire Gomes chegou a dizer
que prenderia Bolsonaro caso o golpe fosse adiante, como revelou a PF. O
documento foi discutido em reuniões, compartilhado via mensagens e depois
espalhado em redes abertas: houve uma petição no Facebook buscando apoio e
publicações no X.



A carta também foi publicada
em um site de petições on-line. Em uma conversa com o tenente-coronel Mauro
Cid, o coronel Anderson Moura encaminha o link e escreve: “Disparado”. Os dois
foram indiciados pela PF.



Depois que se tornou alvo de
investigações, Cid fechou um acordo de delação premiada com a PF e deu
informações sobre como integrantes do governo e das Forças Armadas se
articularam para manter Bolsonaro no poder. Procurada, a defesa de Moura não se
manifestou.



A PF apontou ainda o papel do
influenciador Paulo Figueiredo Filho na divulgação de informações falsas para
incitar militares a se voltarem contra os comandantes. De acordo com a
investigação, ele deu ampla publicidade à carta “para criar a falsa percepção
de que haveria um alinhamento das Forças Armadas ao golpe”. Figueiredo afirmou
que a conduta “criminosa” atribuída a ele é relatar os acontecimentos no Alto
Comando.



O inquérito mostrou também
que um integrante do esquema “paralelo” na Agência Brasileira de Inteligência
(Abin) comandava um grupo voltado à disseminação de desinformação e ataques a
ministros do STF. Chamado de “Grupo dos Malucos”, tinha como função principal,
segundo a PF, questionar a credibilidade do sistema eleitoral, insuflando a
tentativa de golpe.



Mensagens interceptadas
mostram que ele orientava os demais membros sobre os ataques que deveriam ser
feitos. ‘‘Senta o dedo para galera’’, escreveu, ao determinar a disseminação de
uma mentira relacionada a um familiar do presidente do STF, Luís Roberto
Barroso. A PF ressalta que a conversa mostra que “os servidores tinham
consciência que as notícias eram falsas”.







‘Falência do sistema’



Enquanto as novas revelações do inquérito vêm à tona, Moraes e
outros ministros do STF vêm defendendo a responsabilização das plataformas,
tema do julgamento em curso no STF.



— O 8 de Janeiro demonstrou a
total falência do sistema de autorregulação das redes — declarou Moraes na
sessão de quinta-feira.



O julgamento discute o modelo
de responsabilização das plataformas pelo conteúdo de terceiros. A análise teve
origem em dois casos que envolvem o Facebook e o Google, sobre uma dona de casa
que descobriu um perfil falso em seu nome para divulgar ofensas e uma
comunidade criada para proferir ataques contra uma professora.



As empresas alegam que já
dispõem de mecanismos de moderação e remoção de conteúdos, sem que haja
necessidade de uma regra que permita a remoção sem decisão judicial. Além
disso, citaram o esforço de autorregulação, com investimento em tecnologia para
combater crimes como pedofilia e discurso de ódio. Procurada, a Meta, também
dona do WhatsApp, disse que atuou para ajudar a proteger a democracia “antes e
em 8 de janeiro”. O Google não fez acréscimos ao posicionamento do julgamento.
O Signal não se manifestou.



— Caso o STF declare
inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil, menos conteúdos ofensivos vão
circular, porque as plataformas vão precisar ter mecanismos que evitem a
disseminação — avalia o advogado João Quinelato de Queiroz, do Instituto
Brasileiro de Direito Civil.



Professor da FGV Direito Rio
e doutor em Direito Civil, Daniel Dias acrescenta que hoje há uma “blindagem”
às plataformas:



— Se o artigo 19 cair, é um
reconhecimento de que as empresas precisam ser ativas no combate à
desinformação e à violação tanto de direito de pessoas quanto do Estado
democrático de Direito.



 

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