Brasil precisa mostrar controle de gastos que afete expectativas, diz Campos Neto
Em seminário promovido pela DC NEWS, o presidente do BC afirma que governo se esforça, mas mercado segue sob desconfiança
O diagnóstico do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, é claro: o Brasil precisa de um “choque positivo” em relação aos gastos, tem que mostrar “um controle que precisa afetar expectativas”. O sistema financeiro é diretamente ligado a expectativas, observa. Ao mesmo tempo, ele afirma que o governo busca ir nessa direção, enquanto se espera o pacote de corte de gastos.
“A gente reconhece que o ministro Fernando Haddad tem feito um esforço enorme”, afirmou Campos Neto, durante seminário na Associação Comercial de São Paulo (ACSP), nesta terça-feira (19), o primeiro promovido pela Agência de Notícias DC NEWS.
O presidente da autoridade monetária também se posiciona contra a proposta de redução de jornada em debate no Congresso, argumentando que a medida vai contra a modernização iniciada com a Reforma Trabalhista de 2017. “Países que têm relação de trabalho mais flexível tendem a ter custo mais baixo.” Confira aqui a íntegra da exposição.
Campos Neto tem mais 41 dias à frente do BC. A partir de 1º de janeiro, a instituição será comandada por Gabriel Galípolo, 42 anos, diretor de Política Monetária, e ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda. O atual presidente escapuliu da pergunta feita pelo editor-chefe da DC NEWS, Edson Rossi, sobre seu destino de janeiro em diante. “Provavelmente, alguma coisa ligada a tecnologia e finanças”, afirmou.
E também reagiu com humor a um comentário de Nelson Felipe Kheirallah, um dos vice-presidentes da ACSP, sobre não querer “estar na pele” do sucessor de Campos Neto, devido ao êxito de sua gestão. Segundo o ainda presidente, disseram a mesma coisa quando ele assumiu o cargo, em 28 de fevereiro de 2019, no lugar de Ilan Goldfajn, atual presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
Uma gestão marcada pelos habituais embates políticos devido à taxa de juros e, sobretudo, pelo início do processo de modernização da intermediação financeira. O exemplo mais notório e palpável é o Pix, desenvolvimento pela equipe de Campos Neto. “O que engaja as pessoas? Pagamentos”, disse Campos Neto em sua exposição.
No último dia de outubro, o Brasil chegou a 805,6 milhões de chaves Pix, sendo 766,3 milhões de pessoas físicas. Foram quase 5,8 bilhões de transações no mês passado, ante 2,5 bilhões apenas dois anos atrás. E a implementação do Open Finance. “O Drex é pegar tudo isso que a gente faz em termos de digitalização e dar mais um passo”, afirmou o presidente do BC, que trouxe um exemplo doméstico da popularização dos sistemas de pagamento: “Meu filho [de 12 anos] outro dia veio pedir dinheiro para comprar lanche e já veio com o QR Code”.
Segundo ele, o mundo irá enfrentar uma fase “bastante desafiadora” devido a mudanças no cenário global (“As empresas estão se organizando em torno de suas cadeias produtivas”). E, ainda, consequências da pandemia, em que países avançados gastaram o equivalente a 20% do PIB, os emergentes, em torno de 10% e os mais pobres, 4%. “A gente teve um programa de enfrentamento à covid bastante desequilibrado. O mundo está muito endividado, mas o custo é muito maior. É um problema global. No Brasil, a gente parte de um ponto bem pior.”
Além de uma “transição energética que precisa ser paga”, há um processo que ele chamou de “fragmentação” do comércio global e aumento acelerado da idade média. “Precisamos de mais reformas para ter ganho de produtividade.”
DESINFLAÇÃO
Assim, esse cenário mostra de 50% a 60% dos países com o núcleo da inflação acima da meta. “O mundo desinflacionou, essa desinflação parou um pouco de cair e o desafio é identificar os fatores que vão levar à desinflação daqui pra frente”, disse Campos Neto, aproveitando para rebater uma crítica específica em relação à meta no Brasil, cujo centro é de 3%, fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). “Sempre ouço falar que a meta da inflação é muito alta”, disse, ao lembrar que o percentual brasileiro está em linha com a média mundial – exceção da Índia, que vai a 4%.
O índice oficial da inflação no país, o IPCA, subiu 0,56% em outubro – a próxima divulgação será em 10 de dezembro, mesmo dia em que o Comitê de Política Monetária do BC inicia a última reunião do ano e sob o comando de Campos Neto. Agora, soma 4,76% em 12 meses, acima do teto da meta (4,5%, considerada a tolerância de 1,5 ponto percentual).
Essa aparente maior resistência da inflação foi tema do relatório de inflação mais recente do BC, além da cobrança de maior rigor fiscal: “Uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros”. Neste momento, disse o presidente do BC, a desconfiança do mercado em relação ao controle fiscal levou a uma “elevação do prêmio de risco”. E isso vem não apenas dos “economistas da Faria Lima”, acrescentou, em referência, a termo usado para se referir ao sistema financeiro e ao “mercado” como um todo. “Os agentes do mundo real também tiveram essa percepção.”
O Brasil cresceu acima do esperado, não só pelo componente fiscal, segundo ele, mas também pelas reformas feitas nos últimos anos. “Muita gente está revisando o crescimento estrutural para cima”, disse. Por outro lado, o crescimento e o mercado de trabalho aquecido (“Ninguém acertou”) trazem pressões inflacionárias. “Grande parte dos países está aguardando queda dos juros. O Brasil está na contramão, infelizmente”, afirmou, para reforçar: “A gente precisa gerar um choque positivo”. O Copom aumentou juros nas duas últimas reuniões – 0,25 e 0,50 ponto percentual, respectivamente –, para 11,25% ao ano.
Do lado externo, expectativa quanto ao novo governo dos Estados Unidos. Até agora, segundo Campos Neto, “tanto a esquerda como a direita têm adotado uma política expansionista no fiscal”. São esperadas mais medidas protecionistas e contra imigrantes, com deportação em grande escala. Mesmo no “cenário Trump”, a dívida pública continuaria crescendo. E há a relação mundial ao modelo econômico chinês, com aumento de tarifas. Estados Unidos, Europa e Japão concentram dois terços da dívida mundial – a um custo três vezes maior. “A saída seria se o mundo ficasse mais produtivo”, afirmou, citando ainda a questão do envelhecimento e a redução da fertilidade. De acordo com o economista, daqui a 15 anos, dos 193 países membros das Nações Unidas, somente sete terão população maior que a atual.
A mesa do seminário promovido pela DC NEWS teve também a presença do presidente da ACSP, Roberto Mateus Ordine, e do deputado federal Danilo Forte (União Brasil-CE). Na plateia, entre outros, o ex-senador Heráclito Fortes, coordenador do Conselho Político e Social (Cops) da ACSP, o secretário estadual da Fazenda e Planejamento, Samuel Kinoshita, o ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque e o professor José Pastore. Campos Neto foi homenageado pela Associação Comercial por “relevantes serviços” prestados ao país, como primeiro presidente do BC autônomo. As informações são do DC.
COMENTÁRIOS